Por que uma cratera se abriu no meio de um resort na Flórida? Pode acontecer agora enquanto você lê isso? A geologia explica e mostra que o conhecimento do nosso planeta é essencial para o nosso desenvolvimento com segurança.
No mês passado, o vídeo de uma cratera com cerca 30 metros de diâmetro engolindo parte do Summer Bay Resort em Clermont, estado da Flórida, correu o mundo. O evento abrupto nas vizinhanças da casa do Mickey e da Minnie não deixou feridos, mas despertou a curiosidade e a preocupação de muitos, inclusive daqueles temerosos com a frequência deste tipo de evento. Mas será realmente que estes colapsos tem se tornado mais comuns ao redor do mundo?
Antes de pensarmos no Summer Bay Resort e suas relaxantes piscinas (que eu nunca passei nem um pouco perto), na terra de Walt Disney ou mesmo na construção das casas e prédios que estão ao seu redor neste momento, precisamos pensar sobre que tipo de solo e rochas todos eles estão. Vamos então olhar um pouco abaixo dos nossos pés…
![Winter-Park_sinkhole](http://alimenteocerebro.com/wp-content/uploads/2013/08/20130901-winter-park_sinkhole.jpg)
Rochas de composição carbonática, como calcários e mármores, recobrem importantes frações do nosso planeta, podendo ser encontradas tanto na Flórida como aqui no Brasil, por exemplo. São assim chamadas por serem compostas por minerais como a calcita (CaCO3) e a dolomita (CaMg(CO3)2), os quais podem sofrer dissolução química quando expostos à água de PH ácido.
A acidulação da água ocorre devido a sua interação com o gás carbônico (CO2) presente na atmosfa e no solo na forma de matéria orgânica. O fluxo da água acidulada, que infiltra no solo e chega até a rocha carbonática, ocasiona processos de dissolução química no interior dos poros, descontinuidades e demais espaços vazios presentes nestas rochas. Ao decorrer do tempo, caminhos vão sendo abertos pela interligação destes vazios, constituindo canais, cavidades e cavernas em subsuperfície, em geral, parcialmente ou completamente preenchidos por água.
Estas feições de relevo recebem o nome de Carste ou Karst (palavra originada do alemão em correspondência a uma região entre Itália e Eslovênia) e, apesar de não ocorrerem exclusivamente em rochas carbonáticas, é nelas onde são mais comuns.
Voltando à Flórida, processos cársticos são comuns por lá devido à presença de calcários com elevada porosidade, o que facilita o fluxo de água em seu interior e, consequentemente, a formação de cavidades subterrâneas. Mas não pense que se trata de um processo rápido, estamos falando de processos de dissolução que envolvem centenas a milhares de anos. Assim, o que vemos no vídeo é o possível colapso de uma destas cavidades subterrâneas, formando uma estrutura circular e profunda na superfície, a qual recebe o nome de dolina.
![Florida_dolinas](http://alimenteocerebro.com/wp-content/uploads/2013/08/20130901-florida_dolinas.jpg)
Este relevo não é exclusivo do sudeste norte-americano e também pode ser conferido em várias áreas do globo, inclusive no Brasil, tanto na forma de belíssimas cavernas quanto na ocorrência de dolinas.
![figura-regioes-carsticas-do-brasil](http://alimenteocerebro.com/wp-content/uploads/2013/08/20130901-figura-regioes-carsticas-do-brasil.jpg)
O aparente aumento no número de casos de colapso pode estar vinculado com as expansões urbana e da produção agrícola em muitas regiões, refletido no consumo de elevadas vazões de água subterrânea. Para explicar esta correlação, vamos nos utilizar de um exemplo bastante simplificado:
- Coloque uma lata de ervilha cheia entre as mãos e pressione suas paredes moderadamente, uma mão contra a outra, com o intuito de sentir a resistência da lata a compressão;
- Agora, abra a lata, esvazie-a e, se quiser, faça um bom lanche com as ervilhas. O que restou foi uma lata vazia, sem ervilhas e sem a água que continha. Novamente coloque a lata, agora vazia, entre suas mãos e pressione suas paredes. Ela irá amassar com muito mais facilidade que quando estava cheia, porque não temos mais a resistência imposta pela água em seu interior.
Agora vamos relacionar nossa lata de ervilha com uma caverna subterrânea e a pressão exercida com nossas mãos com o peso da estrutura de uma casa, hotel, resort, castelo ou arranha-céu. Quando retiramos em excesso a água do aquífero, que preenche essa caverna subterrânea (ou lata de ervilha), ao ponto de não conseguir recompor seu nível, permanece apenas uma grande cavidade (lata vazia) e resistência que apoiava toda a estrutura tende a diminuir. Junte ao peso da estrutura períodos de elevada pluviosidade, com processos de infiltração de água no solo em direção a cavidade, expandindo fraturas e espaços vazios. O resultado é o que vemos no vídeo, o colapso.
![dolina-almirante](http://alimenteocerebro.com/wp-content/uploads/2013/08/20130901-dolina-almirante.jpg)
Mas sem desespero! Como você pôde ver nos mapas acima, as áreas expostas ao relevo cárstico são conhecidas de longa data por profissionais e pesquisadores da área, o que é fundamental para a plena gestão de projetos e planejamento urbano. Por outro lado, são áreas foco de constantes estudos, visando a melhor compreensão e previsão dos processos vinculados ao carste. Tudo isso sem falar nas belezas naturais que ele propicia, mas isso fica para um próximo capítulo.
O que não precisa de previsão é a certeza de que compreender o planeta é etapa obrigatória para o nosso desenvolvimento.
Bônus:
matéria da VICE americana sobre a questão da exploração de água subterrânea e a formação de dolinas na Flórida (legendado em português)